1 de Julho de 1945. O Campo das Salésias registou uma grande enchente como talvez não se esperasse, pois estavam em compita Lisboa e a Província (como se dizia na altura) na final da Taça de Portugal entre Sporting e Olhanense numa tarde de muito vento. FC Porto e Benfica já tinham sido afastados pelos leões da competição, pelo que a equipa de Joaquim Ferreira era, mais do que nunca, a grande favorita.
A formação leonina: Azevedo; Álvaro Cardoso (cap) e Manecas; António Lourenço, Octávio Barrosa e Nogueira; Jesus Correia, Armando Ferreira, Veríssimo, Albano e João Cruz.
O Sporting dominou de início enquanto a fadiga dos jogadores não veio ao de cima. A asa esquerda criava grandes problemas aos algarvios que foram subindo gradualmente de produção. Pode dizer-se que o trio defensivo sportinguista ganhou o jogo, para além dum “coxo” pouco vigiado, tido por inofensivo (veremos já porquê)!
O Sporting marcou o único golo da compita aos 86 minutos por Jesus Correia após passe de Armando Ferreira, que carregado com ardor por Nunes esquivou-se bem endossando a bola ao seu colega, que marcou na recarga a um remate dele próprio defendido por Abraão. O autor do golo da vitória padecia duma entorse. Levou 10 injeções de novocaína para as dores, mas fez todo o jogo a coxear. Armando Ferreira, que o assistiu, tinha fortes problemas num joelho a que tinha sido operado há pouco tempo!
Peyroteo não jogou por se encontrar castigado (levando a que Veríssimo jogasse a avançado-centro, uma posição estranha para ele), uma punição que levantou polémica, por se considerar injusta, para um futebolista que era apontado como exemplo de disciplina. No final teve declarações curiosas: “Estou contente que nem um rato, e embora não estivesse em campo contribui imenso para a vitória. No camarote, de cada vez que a bola rondava a baliza de Abrãao, eu fazia uma força que nem queiram saber. É natural que tenha agredido com pontapés algumas das pessoas que estiveram ao meu lado, mas se assim foi não o fiz por mal. No final do encontro eu e os meus companheiros de equipa confundiamo-nos com abraços. Depois fizemos um molhinho e cantámos todos o hino do Sporting. O diretor Isaac Sequerra, como sempre, foi quem deu o lamiré”.
Foi o próprio Peyroteo a registar para o jornal “A Bola” algumas declarações dos companheiros. Cardoso, por exemplo, referiu: “Estou contentíssimo, como podes calcular. Depois de tantas contrariedades não é caso para menos. Para uma equipa arrasada como a nossa foi o melhor que se pôde arranjar. Foi a vitória da energia e da vontade”. Armando Ferreira afirmou: “No conjunto do jogo o Olhanense foi superior, mas a nossa defesa foi suficiente para os anular. A ela devemos a vitória. Com a equipa completa não teríamos sofrido tanto. O meu joelho está a melhorar. O corpinho está a pedir praia, e o sol vai-me fazer bem ao joelho. O presidente Barreira de Campos sofeu muito: “Transpirava por todos os poros. A alegria que sinto excede as alegrias normais e chego a recear por mim mesmo. A equipa teve muita fibra”.
Muitos anos depois, Jesus Correia, o autor do golo da vitória, recordou esse dia: “Nós tivemos 3 jogos de arrasar contra o Benfica nas meias-finais – uma derrota, uma vitória e um jogo de desempate, foi terrível. O Sporting teve dificuldades em arranjar 11 jogadores… O hotel em Sintra mais parecia uma enfermaria de um grande hospital, todos se queixavam. Eu tinha uma entorse, levei 10 injecções de novocaína para as dores. Quando me equipei pensei que era mais um milagre do Manuel Marques, mas afinal, logo que o jogo começou, começaram as dores. Em vez de milagre foi um pesadelo. Fiz o jogo a coxear. Naquele tempo não havia substituições, nem sequer do guarda-redes. Até jogámos com o Veríssimo a avançado-centro porque o Peyroteo estava castigado. O Armando Ferreira também estava preso por arames pois tinha sido operado ao joelho há pouco tempo, mesmo assim foi ele que me fez o passe para o golo da vitória. Faltavam 4 minutos para o fim do jogo, corri, fiz um esforço enorme e rematei, o Abraão defendeu para perto e na recarga — golo! (…) O jogo foi nas Salésias e o Olhanense tinha uma boa equipa com o Abraão, o Cabrita, o Grazina e outros grandes jogadores, mesmo por isso a vitória teve outro sabor (…) Os sportinguistas estavam loucos! Então deram-me o que tinham à mão, nos bolsos e na carteira. Recebi uma nota de 50 escudos, uma nota de 100 e duas cautelas de lotaria. Por acaso era jogo branco mas poderia não ter sido… Houve festa rija toda a noite mas eu só queria ir para casa descansar. Fui para Paço de Arcos e ninguém mais me viu nessa noite da minha 1ª Taça de Portugal. Recordo que o guarda-redes do Olhanense protestou ou porque eu estaria fora de jogo ou porque a bola teria estado fora das quatro linhas. Bem vê, eles tinham uma boa equipa e se custa perder sempre em qualquer situação ainda mais custa com a consciência de ter jogado bem”.