6 de Maio de 1923. Neste dia jogou-se a final do Campeonato Regional de Lisboa entre o Sporting (vencedor da 1ª divisão) e o Casa Pia (triunfou no 2º escalão). Duas horas antes do jogo, na Praça dos Restauradores e parte da Avenida, havia um mar de gente a “assaltar” os elétricos. Numa verdadeira vertigem havia automóveis, motos, side-cars, carroças e trens. Um barulho e agitação medonhos!
No vestiário dos leões, muitos sócios rodeavam os jogadores. Havia exortações, ditos de fé e esperança por parte dos que não jogariam. Notava-se alguma palidez no rosto dos futebolistas… Entretanto faltavam equipamentos aos casapianos, e Salazar Carreira, num bom gesto desportivo, ofereceu ao capitão dos gansos uma camisola preta – não obstante os 2 clubes estarem de relações cortadas.
Ao jogo assistiram cerca de 9.000 pessoas. O Sporting foi superior, venceu brilhantemente, com justiça e merecidamente, mas o Casa Pia teve muita “alma”. Foi um bom jogo, ao contrário daquilo que costumava (e costuma) acontecer em finais, cheio de boas jogadas de um lado e do outro, com dois adversários galhardos, bons desportistas, dignos e nobres. Predominou a lealdade, houve dignidade na vitória e na derrota. Augusto Sabbo escalou a seguinte equipa: Cipriano, Joaquim Ferreira e Jorge Vieira; José Leandro, Filipe dos Santos e Henrique Portela; Torres Pereira, Jaime Gonçalves, Francisco Stromp, João Francisco e Emílio Ramos.
O terreno estava um pouco empapado com a chuva que caiu toda a manhã. O Casa Pia começou com energia. Criaram-se algumas oportunidades de parte a parte, mas a defesa do Sporting mostrava-se muito difícil de transpôr. O Casa Pia atacava mais pelas pontas e o Sporting pelo centro. Os leões mostravam-se mais perigosos apesar de atacarem menos. Quase no intervalo Jaime atirou ao poste, mas ninguém surgiu para a recarga. Na saída para o descanso os jogadores foram muito aplaudidos.
Na 2ª parte, com o vento a favor, o Casa Pia dominou no primeiro quarto-de-hora. Logo nos primeiros minutos o árbitro anulou bem um golo aos gansos por fora-de-jogo e notou-se deceção na assistência… O Sporting viu-se ferido no seu orgulho e o Casa Pia desanimou. A certa altura Torres Pereira foi derrubado na área, mas Joaquim Ferreira falhou o penalty, atirando ao lado. Aos 62 minutos, a uns 15 metros da baliza, Francisco Stromp marcou o 1º golo com um pontapé forte, que foi aplaudido com vivacidade. 3 minutos mais tarde o mesmo Stromp foi carregado na área, e Jaime não falhou o penalty aumentando para 2-0. O Casa Pia arriscou então tudo, e Filipe dos Santos cometeu penalty ao pôr a mão à bola dentro da área, mas Cândido de Oliveira atirou ao lado. A partir daí o Sporting dominou claramente um Casa Pia muito fatigado.
Os 2 capitães abraçaram-se no final da partida, parabenizando-se reciprocamente. Foi um jogo agradável, mas, segundo o “Sport de Lisboa”, devia ter tido mais golos: “3-1 ou 4-2 seria o resultado mais justo!” O melhor sportinguista nesta partida foi Filipe dos Santos, mas os 2 defesas – Henrique Portela e José Leandro, também estiveram bem.
Os campeões fizeram a festa num banquete no Restaurante Roma. Subitamente surgiu uma comovente surpresa. Alguém chegou com uma mensagem assinada por Cândido de Oliveira, capitão do Casa Pia, destinada ao Sporting: “Nosso adversário, nosso inimigo algumas vezes, nosso amigo quase sempre”, pedindo que se transmitissem “os agradecimentos pela correção e lealdade dos vossos jogadores no encontro de hoje, saudações pela bela vitória que obtiveram” e, finalmente, reforçando o vínculo existente entre equipas da mesma cidade contra um adversário mais distante, “os melhores votos para um idêntico triunfo no Campeonato de Portugal”. Assim seria.
Acrescente-se que, com a vitória frente ao Casa Pia, o Sporting sagrou-se pela 4ª vez – 2ª consecutiva, Campeão Regional. Os leões realizaram 9 jogos, dos quais ganharam 7 e empataram 2 (22-6 em golos). Jaime foi o melhor marcador da equipa com 6 remates certeiros.
Na foto, os principais futebolistas (internacionais) desta equipa leonina: Filipe dos Santos, Torres Pereira, Jaime Gonçalves, João Francisco, Jorge Vieira e Henrique Portela.